terça-feira, 30 de outubro de 2007

Conceito de Filologia(Filologia)

Filologia: Conceito e Métodos
Segundo o professor Matoso Câmara, em qualquer estado complexo de sociedade, o estudo da linguagem surge, primeiramente, com a finalidade de conservar inalterada a linguagem correta das classes superiores, em relação às demais, logo seguida pela necessidade de compreensão de uma língua estrangeira, feita à partir do contraste sistemático entre ela e a local. Em terceira instância, a comparação entre a sua forma atual e as formas do passado, visando o entendimento de traços lingüísticos já obsoletos, agudamente presentes em âmbito literário, unindo a língua à sua intenção comunicativa, decifrando assim sua mensagem artística. E é desta ultima que germinará os estudos filológicos da linguagem, que serão tratados neste trabalho.
A filologia é uma ciência histórica muito antiga - embora alguns tenham-na definido erroneamente como arte por confundir seu instrumento e objeto com sua finalidade - que tem como objetivo o estudo do grau de conhecimento e de civilização de um povo, num dado momento de sua história, por meio de seus monumentos literários. Mas nem sempre o termo foi empregado com um conceito unívoco, tendo muitas divergências no decorrer do tempo.
Embora esse termo tenha sido empregado primeiramente na Grécia antiga, já havia registro de estudo que poderíamos chamar filológicos na Índia, quando Panini sistematizou a língua sânscrita, presente nos sagrados manuscritos hindus, denominados vedas (conhecimento, sabedoria). Essa língua há muito já havia perdido o uso, sendo utilizada somente para fins religiosos, políticos e poéticos. Panini estudou esses textos, observou, analisou e compilou a primeira gramática do Sânscrito, expondo minuciosamente em 4.000 regras o sistema gramatical desta língua.
Foi na Grécia que o termo foi usado pela primeira vez, com sentidos variados em relação às épocas e aos autores que utilizavam. Antes de aparecer como substantivo ou verbo (Filologia e Filologar), é encontrado primeiramente como adjetivo (Filólogo) já em Platão e em Aristóteles. O significado etimológico da palavra é “ o amigo da palavra”, sendo palavra expressão, exteriorização da inteligência, “por isso, o filólogo é aquele que apreende a palavra, a expressão da inteligência, do pensamento alheio e com isso adquire conhecimentos, cultura e aprimoramento cultural”. (Basseto, 2005 p.17). Quando a escrita se tornou mais comum o termo passou a designar àqueles que sabiam ler e escrever, e depois, aqueles que gostam de falar ou aprender, ouvindo. O professor Bruno Basseto em seu livro “Elementos de Filologia Românica” faz um levantamento de textos de consagrados autores clássicos, em que o termo aprece, para deles fundamentar essa variação. Valer-nos-emos de algumas dessas citações que entre autores gregos e romanos foram inventariadas cincoenta e seis ocorrências.
Comecemos por Aristóteles que conservará, nesta passagem o significado de amigo das letras ou que gosta de ouvir ou de falar:
“[...] e os espartanos (homenagearam) a Quílon e o colocaram entre os gerontas, embora fossem bem pouco filólogos [...]”
Platão, por sua vez, ora conceitua o termo como “aquele que fala muito” ou “loquaz” e “aquele de fala pouco” ou “conciso”, ora como “especialistas suficientemente abalizados para opinar sobre o que é ou não verdadeiro”, ou seja, aquele que tem “gosto pelo estudo das palavras”. Vê-se este último caso em:
“Necessariamente – diz – tudo quanto o filósofo e o filólogo aprovam é mais verdadeiro”.
Segundo alguns autores, tais como Silveira Bueno e Jânio Quadros o termo filólogo equivalia à eruditus e grammaticus, sendo que este último na antiguidade não recebia o valor que lhe atribuímos hoje, ou seja, aquele que ensinam as regras comuns da expressão oral ou escrita da língua, pois para essa concepção havia o termo grammatista, que não nunca gozava da mesma importância do grammaticus.
Os estudos filológicos na Grécia eram, sobretudo, voltados para o estudo e conservação da linguagem das classes superiores, em relação às demais, principalmente a dos espartanos. Esses estudos eram feitos à partir dos modelos do passado, principalmente na biblioteca de Alexandria, em que eram estudados os textos de autores antigos, principalmente Homero, que usavam em suas obras dialetos locais e velhas formas de discursos, já obsoletos e confusos, por isso os alexandrinos eram levados a estudar formas antigas da língua e traços dialetais, e a eles competia o ofício de corrigir e interpretar esses textos, por isso, segundo Silveira Bueno, devemos acrescentar a eles, a denominação de criticus.
Depois foi a vez dos romanos conceituar o termo filólogo. Suetônio documenta que muitos tomavam para si o título de filólogo, para que fossem reconhecidos como sábios ou mais próximos do máximo, aquele que se destingue em todos os gêneros ao mesmo tempo. Em Basseto encontramos a citação:
Parece Ter tomado a denominação de filólogo porque, como Eratóstenes, que por primeiro reivindicou para si para si próprio esse cognome, era considerado por seu multíplice e variado conhecimento. Isso se depreende claramente de seus comentários, embora restem pouquíssimos; a respeito do volume deles uma ou outra carta ao mesmo Herma acentua: “lembra-te de recomendar a nossa floresta, na qual reunimos, como sabes, oitocentos livros de todos os gêneros!”.
Eratóstenes (275-194 a C.), de quem fala Seutônio, era de Cirene na Líbia, norte da África; foi discípulo de Calímaco e de Lisânias, também tutor real a convite de Ptolomeu, o Eurgetes, e depois chefe da famosa biblioteca de Alexandria [...] o melhor de sua obra versa sobre Geografia, portanto seria errôneo restringir o filólogo romano ou grego aos conhecimentos meramente literários ou artísticos, pois era um sábio que dispunha de amplos conhecimentos sobre “todos os gêneros”, isto é, todos os ramos da Ciência, obviamente incluindo gramática e problemas da linguagem.
Ainda entre os autores romanos, encontramos definições que denotam: aquele que apresentam análises, deduções, inter-relacionamentos de fatos , conhecimentos dos livros de história, de dos conceitos pontificais (Sêneca); aquele que tem vontade muita vontade de aprender (Plutarco); aquele que tem refinamento intelectual, culto e estilizado no campo da linguagem (Cícero). Já no século V, Martianus Capella vê a filologia como o conceito grego, ou seja, um vasto e múltiplo conhecimento.
Na idade média o termo deixa de ser utilizado, por ser introduzida uma nova visão de mundo, com uma mentalidade, sobretudo, acerca dos problemas religiosos que tentava suprimir tudo aquilo que não pudesse cristianizar. Também a cultura greco-romana passa por esse crivo e textos clássicos eram copiados por necessidade didática, servindo apenas como modelo estilístico no aprendizado do latim.
É com os estudos humanísticos, já nos séculos XV e XVI que a filologia é retomada como pesquisa real dos textos antigos, buscando uma explicação compreensível desses textos. É também nesse período que passa-se a buscar a origens de todas as línguas, e sob influência bíblica considerarão o hebraico como essa origens. Porém, esses estudos nem sempre são lógicos e com base científicas. Como não havia, ainda, o conhecimento das famílias das línguas indo-européias, nem mesmo o indo-europeu, são formulados inúmeros dicionários multilíngues, em que são colocados lado a lado dezenas de línguas. Também neste contexto é que as línguas modernas se consolidam, sendo compostas gramáticas e dicionários.
O que nos interessará deste período é descoberta do sânscrito e suas semelhanças com as línguas clássicas (principalmente o grego e latim), porém, deixaremos esse tópico para ser visto nos métodos dos estudos filológicos.
Vale aqui também ressaltarmos que na modernidade filologia foi muito por estudiosos desorientados, confundido por uma nova ciência designada glotologia ou lingüistica, mas para desfazer essa confusão basta definirmos corretamente a finalidade do estudo de ambas. Tomaremos a distinção que Gladstone Chaves de Mello nos dará dessas duas ciências:
“A filologia é uma ciência aplicada, dado que o seu escopo, a sua finalidade específica é fixar, interpretar e comentar os textos. De modo que o conhecimento específico da língua funciona como meio, como instrumento para que a ciência atinja seu fim próprio.(...) de posse de um manuscrito, o filólogo tem de saber de que época é a letra, deve interpretar e desfazer as abreviaturas, deve conhecer o estado da língua nos primeiros séculos, para, lendo o manuscrito, saber se se trata de um original, de uma cópia contemporânea ou de uma cópia posterior, se o copista foi fiel ou se inseriu modernismo no texto, para interpretar o texto, entender as alusões, as imagens etc.,etc.(...) A lingüística, porém, ou a glotologia é uma ciência especulativa. O seu objetivo formal é a língua em si mesma, a língua como fato social da linguagem. Não a língua A ou B, mas o fenômeno-língua, sua estrutura, seu conteúdo, sua essência, seus processos, suas relações com o pensamento, com o sentimento, com a vontade, com a sociedade, com a cultura, sua evolução, sua estabilidade e desagregação, causas da estabilidade e fatores de diferenciação, interação lingüística, etc,. etc”.(Chaves de Melo, 1981, ps.7-8).
Segundo Silveira Bueno, a filologia deve-se valer de um largo e vasto campo de disciplinas auxiliares, todas necessárias e úteis, denominadas enciclopédia filológica. Para a filologia portuguesa, por exemplo, segue-se a seguinte disposição de conhecimento.
I – Disciplinas essenciais:
- Gramática, Estilística, Poética, História da língua portuguesa, História da literatura;
II – Disciplinas Secundárias:
- História da civilização, História de Portugal, Geografia de Portugal, Antigüidade e Instituições portuguesas, Mitologia e Religião, Folclore peninsular;
II – Disciplinas Complementares:
- Arqueologia portuguesa, Epigrafia, Numismática, Metrologia, Artes, Paleografia, Edótica e Hermenêutica, História da filologia portuguesa.
Para finalizar essa conceitualização de filologia tomemos o que o pai da lingüística moderna, Ferdinand Saussure nos dá:
“ a filologia é a ciência que estuda os textos e tudo quanto for necessário para torná-los acessíveis: não os aspectos propriamente lingüísticos, mas todo o universo cultural que uma determinada língua representa”.( apud: Basseto, p.35).
Métodos da filologia
Comecemos pelo Método Idealista, desenvolvido por Karl Vossler (1872-1949),que atribui ao positivismo a pesquisa dos fatos lingüísticos, de modo objetivo, enquanto o idealismo procura estabelecer relações de causalidade entre eles; parte, portanto, do principio de que o fato lingüístico é motivado. Para ele, a linguagem humana é a expressão da alma, por isso, a história da língua é idêntica à das várias formas de expressão.
Já o Método da Geografia Lingüística (Dialetologia), introduzida por Graziadio Isaia Ascoli, se ocupa com a situação em que uma língua se encontra num determinado momento, em uma localidade ou em uma região previamente escolhida. Não se utiliza de documentos escritos como objeto de sua pesquisa, mas investiga sobretudo a linguagem falada.
O Método de Worter und Sachen (“Palavras e Coisas), para Hugo Schucharrdt (1842-1929) e Rudolf Meringer (1859-1931), mentores deste método, as coisas precedem suas denominações e podem até existir sem que as tenham; consideravam que há uma estreita relação entre essas duas realidades. Por Sachen (coisa) entendiam qualquer realidade, tanto acontecimentos e estado como objetos, sensíveis ou insensíveis, reais ou irreais. Pelo conhecimento em profundidade da “coisa”, chega-se ao “etimo” da palavra que a designa, isto é, o significado correto e originário com que a coisa foi primeiramente nomeada.
Método Onomasiológico diz respeito ao estudo das denominações, pelo qual se propõe investigar os vários nomes atribuído a um objeto, animal, planta, conceito etc., individualmente ou em grupo, dentro de um ou vários domínios lingüísticos.
Método Neolingüístico ou Espacial, teve como principal mentor Matteeo Bartoli, e é uma decorrência da geografia lingüística. Busca mostrar o modo pelo qual a história dos diversos aspectos da língua deixa seus traços no espaço. Ele estabelece relações cronológicas entre os vários fenômenos lingüísticos, utilizando, para isso, os dados da geografia lingüística.
Método da Teoria das Ondas (Wellentheorie). Foi Schuchardt quem expressou as primeiras idéias a respeito dessa teoria. No entanto, foi Johannes Schimidt quem formulou os primeiros princípios da “Teoria das Ondas”. Segundo ele, a distribuição e as inovações das línguas não são atribuíveis a tendências nelas imanentes, como acreditava August Scheider. Este via nas línguas organismos naturais que surgem, crescem e se desenvolvem conforme leis fixas e depois envelhecem e morrem, sem a intervenção da vontade humana.
O Método Histórico-Comparatista surge com as obras que analisam dois ou mais idiomas afins com o objetivo de encontrar uma explicação razoável aos s fatos gramaticais ou lingüístico. Essas são fases mais modernas da ciência da linguagem. Para ser completo o conhecimento de uma língua , é preciso que à sua notícia histórica se alie a noção de outros idiomas da mesma família. A semelhança de fenômenos leva-nos a conjeturar sobre a identidade da causa.
O acontecimento que culminou nesse método foi a descoberta da existência da língua sâncrita e suas semelhanças com outros idiomas. Primeiramente com o italiano no séc. XVI, quando Felippo Sassseti, um sábio italiano, identificou semelhanças entre palavras do velho idioma e o seu idioma pátrio. No século seguinte, com as missões jesuíticas na Índia, houve um maior contato com a língua sagrada deste povo, o que ampliou o conhecimento sobre o idioma e os revelou ao mundo ocidental.
Porém, a partir do século XVIII, que os sábios europeus passam a voltar suas vistas para a tão extraordinária descoberta. Foi o Pe. Coeurdoux, respondendo a uma solicitação da Academia Francesa, quem elaborou uma interessantíssima memória, intitulada: “Donde vem a língua sâncrita se ache um tão grande números de palavras que lhe são comuns com o latim o grego, sobretudo com o latim”. Depois Johann Philip Wesdin, publicou a primeira gramática do sânscrito.
Com a ampliação dos domínios ingleses sobre o continente indiano e a fundação da “Sociedade Asiática de Calcutá”, destinado a traduzir e interpretar os principais monumentos literários da Índia, que William Jones dedica-se ao estudo da língua sânscrita em comparação ao grego, latim, e outras. Vejamos o que ele diz em seu famoso discurso em uma conferencia para a sociedade cientifica britânica:
“a língua sânscrita, qualquer que seja a sua antigüidade, tem uma estrutura admirável; mais perfeita que o grego, mais abundante que o latim, mais excelente e refinada que ambos; ainda que mantenha com ambos uma afinidade muito forte, tanto nas raízes dos verbos, como nas sua formas da gramática, e não seria possível considera-la casual; em verdade, tão forte que nenhum lingüista poderia examina-la sem acreditar que eles se tenham originado de uma fonte que não mais exista(...)”.

Porém, a glória da nova ciência estava destinada a Francisco Bopp, sábio lingüista Germânico que formulou o seu “Sistema de conjugação do Sânscrito em comparação com o grego, o latim e o germânico”, e posteriormente inseriu o eslavo, o céltico e o albanês.
Para concluir este trabalho, depois de definido o conceitos e os métodos dos estudos filológicos, cabe ressaltarmos que contemporaneamente são poucos aqueles que se interessam e incentivam o estudo filológico, principalmente a filologia portuguesa, indispensável para a compreensão de nossa história, de nossa literatura e sobretudo de nossa língua.
Bibliografia:
- BASSETO, Bruno. Elementos da filologia Românica. São Paulo: EDUSP, 2002.
- BUENO, Francisco da Silveira. Estudos de filologia portuguesa. São Paulo: Saraiva, 1967.
- CAMARA JR, Matoso. História da lingüística. 4º Ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
- CHAVES DE MELO, Gladstone. Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 1981.
- COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. 19º Ed. Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 2005.
- ELIA, Silvio. Preparação à lingüistica românica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1974.
- QUADROS, Jânio. Curso Prático de Língua Portuguesa e Sua Literatura. Vol. I. Gramática História. São Paulo: Formar,1966.
Organização: Professor Francisco Muriel

2 comentários:

Daniela disse...

Faço Letras e estou iniciando um trabalho de pesquisa sobre O Método de Worter und Sachen. Teria algum livro que o senhor poderia me indicar para contribuir parta minha pesquisa?
Muito grata, Daniela.

Deragnu disse...

Ainda bem que faz letras, talvez de madeira ou cartão, ou ainda de chocolate, comia já, bem entendido! A educação é linda, mas até terminar com "Muito grata, Daniela", 'faz' doer!
Eu que não 'faço' letras, subscrever-me-ia:
Muito grato.
Daniel Boone